Em todo o mundo os governos cobram tributos de seus cidadãos. Porém, a forma de cobrar estes tributos pode contribuir para o aumento da desigualdade social. Infelizmente, é isso que ocorre no Brasil atualmente, conforme o estudo da Receita Federal “Carga Tributária no Brasil 2014 – Análise por Tributos e Base de Incidência”.
Para início de conversa, o levantamento da Receita Federal mostra que aproximadamente 33% de tudo que produzimos (indivíduos e empresas) é direcionado aos cofres públicos. Trata-se da Carga Tributária Bruta, que é aproximadamente a mesma de países desenvolvidos como Suíça, Reino Unido, Israel, Japão e Alemanha. O problema é que nem sempre o governo aloca esses recursos de forma eficiente em benefício da população. Segundo pesquisa recente do Ibope, 9 em cada 10 brasileiros dizem que a qualidade dos serviços públicos deveria ser melhor considerando o valor dos impostos. A população, no entanto, desconhece um problema ainda mais perverso do sistema tributário brasileiro: a regressividade.
O que significa regressividade tributária?
De acordo com o estudo da Receita Federal, na comparação com os países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil tem a maior carga tributária sobre o consumo: 51% da arrecadação tributária incide sobre bens e serviços. Já a carga tributária sobre a renda, lucro e ganho de capital no Brasil representa apenas 18% do total.
Para ilustrar essa injustiça com os que ganham menos, vamos tomar como exemplo duas donas de casa, Maria Aparecida e Maria da Silva. Elas planejam comprar o mesmo modelo de geladeira, que custa R$ 2.000,00. Digamos que a família de Maria Aparecida ganhe R$ 3.000,00 por mês, enquanto a família de Maria da Silva receba R$ 15.000,00 mensais provenientes de salários, aluguéis e aplicações financeiras. Levando em consideração que a tributação sobre a geladeira é de 40%, cada Maria vai desembolsar R$ 800,00 de seus rendimentos com o pagamento dos tributos que estão embutidos no valor da mercadoria. Dessa forma, Maria Aparecida compromete 26% da sua renda familiar com o pagamento de tributos da geladeira, enquanto esta obrigação com o governo representa apenas 5% da renda familiar de Maria da Silva. Assim, a família de Maria Aparecida paga proporcionalmente mais tributos que a família de Maria da Silva.
Os especialistas chamam isso de regressividade tributária, ou seja, quem ganha mais paga menos impostos. Como a tributação sobre bens e serviços é fixa, tanto o pobre quanto o rico pagam a mesma alíquota. A situação relatada da compra de um eletrodoméstico também ocorre com os alimentos, o transporte, a gasolina, os veículos, as contas de água, luz e telefone, entre outras despesas. Tendo em vista que a quase totalidade da renda daqueles que ganham menos é gasta com o consumo, o sistema tributário brasileiro promove a injustiça social pois dificulta que grande parte da população tenha acesso a diversos bens, mesmo que sejam os que mais se esforçam para pagar tributos.
Uma alta carga tributária, especialmente sobre o consumo, também prejudica a economia, já que onera o investimento e a produção, provocando preços mais elevados em relação ao restante do mundo. Os economistas dão um nome bem sugestivo à essa ineficiência na alocação de recursos causada pelos impostos: peso-morto. Quando os preços sobem, as vendas caem e as empresas não contratam funcionários. Quando o desemprego aumenta, o maior impacto advem sobre os mais pobres, pois dependem essencialmente do salário para sobreviver e geralmente ocupam os cargos mais vulneráveis. Segundo o economista Thomas Piketty, autor do livro “O Capital no Século XXI”, quando o crescimento da economia é menor que a remuneração do capital (juros), a desigualdade social aumenta. Os mais ricos, por possuírem um grau mais elevado de escolaridade, conseguem melhores empregos e podem protejer-se com seu patrimônio e com os juros que recebem pelo capital aplicado. Uma recessão econômica combinada com juros altos funciona como uma fábrica de desigualdade social. Bem vindo ao Brasil!
Como a reforma tributária pode diminuir a desigualdade social?
Em meio a tantas propostas de reforma tributária, muitas puramente ideológicas, podemos vislumbrar que a melhor alternativa para o Brasil será diminuir a carga tributária indireta, cujo principal expoente é o famigerado ICMS, e compensar este déficit com a tributação direta, como ocorre nos países desenvolvidos. O imposto de renda é, por excelência, a forma mais justa de tributação pois com seu sistema de alíquotas progressivas, quem ganha mais, paga mais. A perda de arrecadação dos estados poderá ser compensada pelo aumento das transferências ao Fundo de Participação dos Estados e DF ou pela implantação do imposto de renda estadual em cada unidade da federação, ou ainda, uma combinação de ambas medidas.
Do ponto de vista macroeconômico, o imposto de renda apresenta maior neutralidade tributária pois não onera a produção e o investimento. Com isso, os preços dos produtos brasileiros tendem a cair e as pessoas passarão a consumir mais, gerando um círculo virtuoso na economia. Os empresários terão que contratar mais funcionários e o desemprego, bem como a desigualdade social, tendem a diminuir neste cenário. Nos Estados Unidos, a maior economia do mundo, há uma clara desoneração do consumo que é compensada pela tributação expressiva sobre a renda, lucro e ganho de capital, que é de 12,1% do PIB. No Brasil essa base de incidência tributária representa apenas 6,1% do PIB. Conclui-se que a escolha por um sistema tributário progressivo é, acima de tudo, o motor da economia.
Embora a tributação direta tenha suas vantagens, a normatização atual do imposto de renda possui algumas distorções que precisam ser revistas. Existem, por exemplo, apenas quatro faixas de tributação, com alíquotas de 7,5% a 27,5%. Nos Estados Unidos são sete faixas de tributação (alíquotas de 10% a 39,6%). Outro exemplo são as deduções regulamentadas pela Lei Rouanet, que deveriam ser extintas e, no seu lugar, poderiam ser regulamentadas deduções para o Sistema Único de Saúde ou para o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, os quais trazem mais benefícios para a população do que artistas recebendo dinheiro público para defender o governo.
A desigualdade social é um tema complexo, fruto de inúmeros fatores. Não podemos negar que as pessoas são naturalmente diferentes. Alguns trabalham e estudam mais, outros gastam menos e poupam mais, de modo que, ao longo da vida, alcançam resultados diferentes quando se trata de riqueza. Todavia, não podemos mais admitir que algo institucionalizado como um sistema tributário arcaico continue contribuindo para acentuar a desigualdade social em nosso país. A cobrança e fiscalização de um imposto direto e pessoal como o IR não é uma tarefa fácil. Contudo, graças à tecnologia da informação e à profissionalização, a Receita Federal vem conseguindo cada vez mais coibir fraudes e punir aqueles que ainda se arriscam a tirar algum tipo de vantagem perante o fisco.
Esta mudança no sistema tributário deve partir da conscientização e iniciativa dos cidadãos. Como não há vontade política de mudar a situação atual, o tema reforma tributária só aparece a cada quatro anos nas campanhas eleitorais para tentar angariar a simpatia do eleitor. Mais do que simplesmente fazer nossa parte e pagar nossos tributos, nós, Marias e Josés de todo o Brasil, devemos nos conscientizar e exigir dos governantes que aprovem um modelo de reforma tributária que tenha em vista o crescimento econômico e que, combinada com a diminuição dos juros, promova a redução da desigualdade social.
Leia também